Planta venenosa da família das solanáceas,
a mesma da beladona e do meimendro,
a mandrágora (Mandragora officinarum)
contém alcalóides como a atropina e a escopolamina.
É nativa do
Mediterrâneo. Erva de caule muito curto,
emite uma roseta de folhas, de
cujo centro se alteiam as
hastes das flores, de cor entre o violeta e o
azul. A raiz principal freqüentemente se bifurca e, sendo grossa e
carnuda,
assemelha-se a duas coxas. Para aumentar essa
semelhança, os
feiticeiros a esculpiam e
acrescentavam
detalhes, como se vê em gravuras
medievais que ilustram
seu suposto poder afrodisíaco. Ora, uma vez
aceito que
uma planta pudesse tem um corpo humano "perfeito",
o próximo
passo era supor que pudesse receber
um espírito, ou a força vital de um homo sapiens
vivente...
Segundo H.P. Blavastky, "no Catecismo
dos drusos da Síria"
os homens foram criados
pelos "Filhos de Deus", que desceram à Terra e,
depois de colherem sete mandrágoras,
animaram as raízes até que se
convertessem
em homens (Doutrina Secreta, II, 30, ed. Inglesa)
.
Dados dispersos no Glossário Teosófico
informam que a planta se revela
"especialmente
eficaz na magia negra" (Doutrina Secreta, 11, 30)
e, apesar do preparo de "bebidas ou filtros" ser
o uso mais cotado entre
os "vários fins ilícitos",
alguns ocultistas "da mão esquerda"
chegariam
a fazer homúnculos com ela.
O nome hebraico para as mandrágoras (dudhaim)
é formado pela
mesma raiz de "amor". Este é outro
motivo para que, em
algumas partes do
Oriente Médio, esta planta ainda
seja considerada como afrodisíaco
capaz de excitar
o amor e aumentar a fertilidade humana. O Glossário
Teosófico fornece uma interpretação metafísica
politicamente correta
onde, "em linguagem cabalística"
, dudhaim corresponde à união do "manas superior e
inferior" ou da Alma e do Espírito, duas coisas "unidas
em amor e amizade ( dodim)". Mas a intenção que
personagens bíblicas tiveram ao consumir a planta
foi bem diferente. Em Gênese
30:14-15, Raquel,
esposa de Jacó, negocia a oportunidade de usufruir
os
direitos conjugais de seu marido por uma noite
com sua irmã Lia, em
troca de alguns frutos de
mandrágoras. Desta relação conturbada nasceu
Issacar. Também, numa cena de romântico
erotismo do Cântico dos Cânticos,
a amada afirma a reciprocidade de seu amor levando
seu amante para
pernoitar no campo onde
"as mandrágoras exalam seu perfume"
( Cântico 7:14). A tradição colocou
este fruto em relação com o nascimento de José.
Vem, meu amado, vamos ao campo,
pernoitemos sob os cedros; madruguemos pelas vinhas,
vejamos se a vinha floresce, se os botões estão se abrindo,
se as romeiras vão florindo: lá te darei meu amor...
As mandrágoras exalam seu perfume;
À nossa porta há de todos os frutos:
Frutos novos, frutos secos,
que eu tinha guardado,meu amado, para ti.
|
- Os
antigos, como os medievais, conheciam
- o poder da raiz desta planta. A
tradição
- greco-romana daria outros usos à planta.
- Nos tempos de Cristo, a
comprida raiz
- castanha da mandrágora era usada como
- anestésico nas
operações. Platão cita o preparo
- da mandrágora como fármaco entorpecente
- ao descrever um motim. "Algumas vezes",
- quando marinheiros disputam
- pela influência, tendo em vista o favor do dono
- do navio, "se não são
eles que o convencem, mas
- sim outros, matam-nos, a esses, ou atiram-nos
pela
- borda fora; reduzem
- a impotência o verdadeiro dono com a
mandrágora,
- a embriaguez ou qualquer outro meio"
- (A República,
488c). Com o tempo,
- as receitas foram se tornando cada
- vez mais
insólitas. Dizia-se, por exemplo, que a colheita
- da mandrágora exigia
providências profiláticas, pois a
- planta não devia ser tocada. A raiz
era arrancada em noite
- de luar, com uma corda atada a um cachorro preto,
após
- um ritual e orações. Segundo a crença, se colhida sem essas
-
precauções, a mandrágora soltava um grito terrível, capaz de
- matar ou
enlouquecer quem o ouvisse. Se obtida à maneira ritual,
- contudo, a raiz
possuía poderes mágicos e
- servia para tomar fecundas
- as mulheres
estéreis.
A Mandrágora já foi
- considerada como uma cura
- para a loucura e uma
droga exorcisante por se pensar
- que os demônios não toleravam o seu
cheiro. Outrora,
- as verrugas eram esfregadas com uma batata,
- que a
seguir tinha de ser deitada fora. Então,
- à medida que o tubérculo
apodrecia, acontecia
- o mesmo com a verruga! O Glossário Teosófico
-
diz-nos que os antigos germanos veneravam ídolos
- fabricados com a raiz
de mandrágora. "Daí seu nome
- de alrunes, derivado da palavra alemã Alraune
- (mandrágora). Aqueles que possuíam em sua
- casa uma dessas figurinhas,
acreditavam-se felizes,
- pois elas velavam pela casa e por seus
moradores,
- preservando-os de todo mal, e prediziam o futuro,
- emitindo
certos sons ou vozes. O possuidor de
- uma mandrágora, além disso, obtinha
- bens e riquezas, através de sua influência".
As mandrágoras de Lia
-
- "Hás
de estar comigo, porque certamente te aluguei
- pelas mandrágoras de meu
filho. E com ela deitou-se
- Jacó aquela noite." Gênesis 30:16
- As
mandrágoras exalam perfume, e às nossas portas
- há toda sorte de
excelentes frutos, novos e velhos;
- eu os guardei para ti, ó meu amado.
Cantares 7:13
- Poucas plantas
foram tão capazes quanto esta de
- excitar a imaginação e até mesmo o
inconsciente
- dos homens. Durante vários milênios e até numa
- época
recente, a mandrágora foi considerada a planta
- sagrada por excelência.
- Os
assírios a empregavam como soporífero e
- analgésico, talvez até se
servissem dela como
- anestésico — o que fez, bem mais tarde, o ilustre
-
Dioscoride, cirurgião militar grego no exército de
- Nero, que utilizava a
mandrágora durante suas intervenções cirúrgicas
- . E sob esse aspecto
que, a partir do século V a.C., é apresentada pelo grande Hipócrates
que, ao estudar cuidadosamente seus efeitos, especificou que, em
pequenas doses, a mandrágora combatia efetivamente a angústia e a
depressão.
- Tomada em quantidade maior, ela
provoca estranhas impressões sensoriais, próximas à alucinação. Em doses
ainda mais elevadas, a mandrágora exerce uma ação sedativa, depois
sonifera e finalmente leva a um sono profundo, acompanhado de uma
completa insensibilidade. Em resumo, a mandrágora seria provavelmente o
mais antigo dos nossos anestésicos. Mas foi também um dos primeiros
afrodisíacos conhecidos. Curiosamente é com esse renome e como apta a
favorecer a concepção, que a mandrágora figura na Bíblia.
- O
fato é que Teofrasto, sábio e filósofo grego, relata as práticas no
mínimo estranhas que deviam acompanhar a colheita da planta. Só podiam
fazê-lo à noite. Primeiro o herborista se inclinava na direção do sol
poente e homenageava as divindades infernais, isto é, as forças
telúricas. Depois, com uma espada de ferro que nunca servira, ele
traçava três círculos mágicos em volta do pé da mandrágora, ao mesmo
tempo que virava o rosto para se preservar das emanações nocivas que
poderiam fazer inchar o corpo se não se tomasse a precaução de
protegê-lo com óleo. Em seguida era melhor não proceder pessoalmente à
colheita, pois no momento em que era arrancada, a planta lançava um
grito que matava ou enlouquecia aquele que o ouvisse. Por isso, depois
de ter cuidadosamente tapado os ouvidos com cera, o herborista amarrava
um cão à planta e lhe jogava um pedaço de carne um pouco além do seu
alcance. O cão corria e caía morto. Mas a mandrágora estava arrancada.
- Concorda-se
que uma colheita tão perigosa merecia uma grande retribuição. Mas que
importância tinha, já que a mandrágora reembolsava largamente seu
comprador. Bastava fechá-la num cofre para que ela dobrasse o número de
moedas que ele continha. Assim, desde essa época a mandrágora se tornara
uma espécie de ludião ctoniano, de egrégora antropóide, como
efetivamente o mostrava a estranha forma de sua raiz. Se a mandrágora,
como muitas espécies de regiões com chuvas primaveris seguidas de uma
longa seca estival, só deixa emergir do solo uma roseta de folhas muito
grandes, sua touceira chega até 60cm de profundidade. Ela é
marrom-escura por fora e branca por dentro e curiosamente bifurcada,
evocando vagamente um tronco prolongado por coxas. Com um pouco de
imaginação é possível encontrar nessa raiz, que os pitagóricos chamavam
Anthropomorphon, uma silhueta humana, com uma cabeça um pouco acima do
nível do solo e coroada por uma opulenta cabeleira, as folhas,
principalmente, como às vezes acontece, se duas outras raízes
adventícias se colocam no alto dos membros anteriores. E claro que as
raízes mais procuradas e as mais caras eram as que lembravam melhor a
forma humana, principalmente quando o sexo estava aparente, pois havia
mandrágoras macho e mandrágoras fêmea. Diziam até que certos mágicos
conseguiam “animar” essas raízes, isto é, fazer delas verdadeiros
homúnculos.
- Finalmente, a mandrágora se identificava com
esses demônios que, nos contos e lendas, se submetem ao poder do homem,
garantindo-lhe uma extraordinária prosperidade, mas que um dia precisa
ser paga e na maioria das vezes com a salvação eterna. Na Idade Média,
essa planta, cujo nome em grego significa simplesmente nociva aos
estábulos, isto é, ao gado, chama-se em francês “mão de glória”,
enquanto seu nome em alemão e em inglês arcaico a identificava a uma
fada dos antigos germanos, Alruna. Garantia de prosperidade, assegurando
ao seu proprietário o sucesso no amor e em todos os seus
empreendimentos, a mandrágora, tornando-se talismã universal, era alvo
de um proveitoso e misterioso comércio. Para lhe dar a aparência
desejada, chegaram a cultiva-la em potes que serviam de fôrmas, a podar e
até a esculpir sua raiz; por fim e principalmente, os charlatões a
criaram inteiramente, utilizando para isso as raízes de briônia que eles
talhavam, inserindo, nos lugares convenientes, grãos de cevada ou de
painço que, depois de germinados, formavam tufos de pêlos. Esse comércio
durou quase até nossos dias: na década de 30, era possível comprar
essas mandrágoras nas lojas de departamentos de Berlim.
- Na
Idade Média, a fama da mandrágora vinha principalmente do fato de
pertencer às plantas que entravam na composição dos filtros mágicos.
Apesar do uso extravagante que fizeram dela, a mandrágora possui
realmente propriedades singulares. Muito tóxica, ela é um anestésico tão
poderoso que quem o experimenta aparenta estar morto; é provavelmente
um afrodisíaco, mas certamente um produtor de visões, de alucinações e
de delírios, podendo levar até à demência, como já notara Hipócrates.
- Portanto,
os poderes que lhe atribuíam se baseavam em observações reais, mas o
que nos interessa aqui é a interpretação que o inconsciente coletivo deu
a esses sintomas. Tudo leva a crer que outrora identificaram a
mandrágora com os espíritos dos mortos. Para começar, seu antigo nome em
latim, Au-opa, depois dado à beladona, de propriedades comparáveis. A
mandrágora é encontrada enterrada e desenterrá-la constituía uma espécie
de sacrilégio, imediatamente punido de morte; em outras palavras, só se
podia reanimar um morto em troca de uma outra vida. Se então serviam-se
de um cão é que este, em todas as mitologias, está associado à morte,
ao mundo subterrâneo, onde ele guia seu dono defunto. Uma crença muito
espalhada durante toda a Idade Média vem aliás confirmar essa
interpretação: a planta nasceria sob as forcas, do esperma dos
enforcados. Essa tradição relaciona a mandrágora à “mão de glória” que
não era outra que uma verdadeira mão de enforcado, submetida, durante
uma cerimônia mágica, a uma espécie de mumificação. O poder da planta,
que conjuga morte e sexualidade, residiria assim no fato que esse sêmen
desperdiçado seria, em suma, recuperado em proveito do feliz
proprietário da raiz. Além disso, é sabido que para o espírito arcaico, a
concepção só acontecia depois da penetração, na matriz, da alma
disponível de um morto, de um antepassado.
- Como é
encontrada na natureza? Primeira surpresa: não existe apenas uma
mandrágora, mas duas. A mandrágora oficinal, ou seja, de uso médico
(Mandragora officinalis), mandrágora fêmea, chamada assim abusivamente,
pois ambas são igualmente hermafroditas, cresce na Europa meridional e
abunda principalmente na Caláb ria e na Sicilia. Suas flores violáceas
aparecem no outono enquanto que as da outra espécie são primaveris e de
um branco esverdeado. A mandrágora primaveril (Mandragora vernalis) é
considerada como macho e seu habitat é mais nórdico. A mandrágora macho
difere também da fêmea por sua raiz mais espessa, esbranquiçada por fora
como por dentro, pelo cheiro muito mais pronunciado, nauseabundo,
obcecante, em suma, temível, que espalham suas folhas e suas flores;
finalmente, seu fruto é muito maior, tendo a aparência de uma pequena
maçã amarela e exalando um perfume doce e suave. São os frutos dessa
espécie que os antigos egípcios acreditavam ser afrodisíacos, tradição
retomada pelos árabes que os chamavam de “maçãs do diabo”, em razão dos
sonhos excitantes que eles provocavam, mas também de “ovos dos gênios”.
- Apesar
dos botânicos nos garantirem que as propriedades das duas plantas são
iguais, pode-se duvidar, pois os mágicos faziam a diferença entre a
mandrágora macho e a mandrágora fêmea e utilizavam de preferência a
primeira, enquanto a antiga medicina empregava a mandrágora fêmea.
Portanto podemos nos indagar se um estudo comparado das duas espécies
não poderia nos revelar segredos que, por prudência e medo, foram
perdidos.
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